Adelino Belmonte Mattos Marshal [1]
O regime da garantia dos produtos e serviços é frequentemente objeto de controvérsia, vez que é comum por parte de muitos consumidores a crença de que o fornecedor estaria eternamente vinculado ao bom funcionamento do produto ou serviço. Muito embora a legislação consumerista estabeleça grandes vantagens ao consumidor, deve-se ter cuidado e se ater aos requisitos estabelecidos para se poder verificar, no caso concreto, se existe a obrigação de reparar ou indenizar eventuais vícios e/ou problemas.
Em primeiro momento, embora pareça óbvio, deve-se atentar que as disposições do Código de Defesa do Consumidor são apenas aplicáveis às relações de consumo, e não à toda e qualquer relação de compra e venda. Assim, apenas nas relações que preencham os requisitos dos arts. 2º e 3º se pode reivindicar o amparo do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ficando as demais asseguradas pelo Código Civil e por eventuais legislações especiais.
Em se tratando efetivamente de relação de consumo, o regramento da garantia está previsto nos arts. 18 a 26 do CDC. Em linhas gerais, a garantia obriga o fornecedor a reparar quaisquer vícios de qualidade ou quantidade do produto ou serviço que os tornem impróprios ou inadequados à sua finalidade.
Nesse ínterim, é comum se falar na “legítima expectativa” do consumidor. Por exemplo, quando se adquire um veículo, se tem a legítima expectativa de que o veículo atenda às finalidades de transporte, devendo, para tanto, estar em bom estado de funcionamento. Há de se ter cuidado na análise da legítima expectativa do consumidor, para que esta esteja de acordo com a boa-fé, não podendo o consumidor pretender exigir vantagem manifestamente indevida ou reclamar vício que não afeta a qualidade que normalmente se espera do produto. À título de exemplo, não pode um consumidor adquirir um veículo 1.0 e reclamar como sendo vício a dificuldade momentânea de subir uma ladeira com o veículo carregado, vez que é esperado que veículos de baixa litragem não possuam um notável desempenho de torque. Neste caso, não há vício de qualidade, pois nunca poderia ter havido a legítima expectativa de que este produto cumprisse tal finalidade.
Além disso, deve-se atentar aos prazos decadenciais. Conforme o art. 26 do CDC, o prazo para reclamar os vícios aparentes em produtos duráveis é de noventa dias, enquanto que nos produtos não duráveis o prazo diminui para trinta dias. Com exceção dos vícios ocultos – também chamados de redibitórios, que possuem um regramento e requisitos próprios -, o fornecedor não está obrigado a prestar assistência de garantia fora destes prazos.
Não obstante, muitos consumidores tem a crença errônea de que quaisquer vícios ou falhas no produto podem ensejar, automaticamente, a devolução da quantia paga. Muito pelo contrário, é direito do fornecedor, conforme o art. 18, §1º, reparar o vício no prazo de 30 dias. Somente após decorrido este prazo sem que o fornecedor tenha efetivamente sanado o problema é que o consumidor pode exigir a devolução da quantia paga ou a substituição do produto.
Muito embora a legislação consumerista seja notavelmente favorável ao consumidor, deve-se ter a devida cautela quando da análise do caso concreto para se verificar, em primeiro plano, a incidência dessa legislação. Além disso, deve-se analisar também os requisitos dispostos no CDC, não sendo a garantia uma vinculação eterna do fornecedor ao perfeito funcionamento do produto.
[1] Estudante de Direito da UNESP e Estagiário no Escritório Miron Sociedade de Advogados.
Bibliografia:
TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: Direito material e processual. São Paulo: Editora Forense, 2020.
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